Quarta-feira,
9:20 AM.
Evan
não sabia o bem que havia me feito com aquelas palavras: “você precisa ter os
seus”. Não era a primeira vez que tal conselho tinha sido me dirigido, mas pela
primeira vez me causava algum efeito.
Sempre
havia sido um garoto muito sonhador. Sonhava com um mundo perfeito, onde tudo era admirável,
maravilhoso. As pessoas seriam cordiais e entre elas não haveria raiva, ódio ou
rancor. No meu mundo perfeito todas as forças conspiravam a meu favor, eu seria
uma pessoa sortuda e todos os eventos confluiriam de tal forma a concretizarem
meus desejos. Pode ser que tenha sido uma fase da minha vida, quando a criança
percebe o mundo como servil de suas vontades. Se fase ou não, de alguma forma,
eu parecia tentar pincelar um mundo colorido onde realmente só havia tons de
preto e cinza.
Minha
infância foi assim... Cheia de tons de preto e cinza, repleta de problemas
existenciais. Não tive uma boa mãe, ela sempre foi muito seca e exigente
comigo. Já meu pai era minha mãe às avessas: sempre me permitia muito, mas
também à minha mãe, o que me deixava, de certo modo, de mãos atadas... Então
foi assim: cresci totalmente livre dentro de um cárcere escuro e sem vida.
Na
verdade nem sei bem quando ou de onde este sentimento de angústia ou medo começou
dentro de mim. A impressão que tenho é que sempre as tive. Talvez fosse um
espelho da minha vida, do meu dia-a-dia... – longo silêncio, e depois continua –
Minha mãe sempre me cobrou muito nos estudos, sabe...? Por isso boa parte da
minha vida eu passei na escola, vivia cercado de colegas, e mesmo assim nunca
consegui me relacionar com muitos deles. Sempre fui um garoto de poucos amigos.
Não que não quisesse, aliás, costumava me apegar muito fácil às pessoas, e
quase nunca era correspondido... Então acabava me retraindo, até pra me
conservar de mais sofrimento e dor.
Também
nunca fui muito bom em paquerar meninas. Na verdade das poucas vezes que tentei
foram experiências tão fracassadas que não voltaria jamais a repeti-las! Não
andava com os garotos, eu parecia ser de alguma forma diferente deles. Mas eu
só saberia disso tempos depois... – sorri compenetradamente –, não brincava com
eles, sempre os achei uns completos idiotas.
─ Mas o que Evan, aquele garoto de quem me falou
no começo de nossa conversa, exatamente o quê ele falou a você? – pergunta o
psicólogo.
─ Bem, estava quase a chegar neste ponto... Evan
é um grande amigo meu e está num relacionamento sério há dois anos. Sabe... Eu
sempre havia admirado muito o modo como eles se tratavam. Pareciam feitos um
para o outro e sempre fiz questão de elogiá-los grandemente. Certo dia
estávamos nós três sentados à mesa e eu lhes relatava como de costume como eles
tinham sorte e blá blá blá... Foi quando Evan virou-se para mim e me falou que
os sonhos não eram feitos de fantasia e que tão mais distante estariam de mim
quanto eu os idealizasse nos outros. “Você precisa ter os seus sonhos”, foram
suas últimas palavras. Aquilo pareceu me tocar profundamente, era como se pela
primeira vez eu tivesse aberto meus olhos para ver o mundo em que vivia. Pela
primeira vez observava o que eu realmente tinha sido: um garoto problemático e
cheio de idealizações e fantasias.
─ Foi
quando você decidiu procurar minha ajuda... – Indaga o doutor Thredson.
─ Sim,
foi exatamente neste período.
─ Isto
para nós representa um grande avanço. Pelo fato de você próprio sentir-se
necessitado de uma ajuda profissional. Bom, Kevin, nossa sessão está encerrada
por hoje, tudo bem? Nos encontramos novamente na sexta-feira!
Thredson
acompanha-o até a porta, onde se despedem formalmente com um aperto de mão.
Kevin desce as escadas que davam acesso à saída do prédio London Hilton Estava
ainda absorto em suas lembranças. Sentia a inquietude por não poder saber o que
esperar para o futuro, mas de alguma maneira tinha a certeza de estar fazendo o
caminho mais certo.
Do lado
de fora o dia estava lindo: sol entre poucas nuvens. Uma brisa leve e fria
carregava as folhas caídas sobre a calçada. Era outono e as árvores começavam a
perder suas folhas já amareladas. Nas ruas pouco movimento, o que permitiu
atravessar a rua tranquilamente. Como a vida parecia mais leve... Como as
coisas pareciam se ajeitar, mas não mais como num sonho... Aquilo era o real,
era ele mesmo...!
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