domingo, 25 de novembro de 2012

Cavando o ser (parte 4)


Quarta-feira, 9:20 AM.

Evan não sabia o bem que havia me feito com aquelas palavras: “você precisa ter os seus”. Não era a primeira vez que tal conselho tinha sido me dirigido, mas pela primeira vez  me causava algum efeito.
Sempre havia sido um garoto muito sonhador. Sonhava com  um mundo perfeito, onde tudo era admirável, maravilhoso. As pessoas seriam cordiais e entre elas não haveria raiva, ódio ou rancor. No meu mundo perfeito todas as forças conspiravam a meu favor, eu seria uma pessoa sortuda e todos os eventos confluiriam de tal forma a concretizarem meus desejos. Pode ser que tenha sido uma fase da minha vida, quando a criança percebe o mundo como servil de suas vontades. Se fase ou não, de alguma forma, eu parecia tentar pincelar um mundo colorido onde realmente só havia tons de preto e cinza.
Minha infância foi assim... Cheia de tons de preto e cinza, repleta de problemas existenciais. Não tive uma boa mãe, ela sempre foi muito seca e exigente comigo. Já meu pai era minha mãe às avessas: sempre me permitia muito, mas também à minha mãe, o que me deixava, de certo modo, de mãos atadas... Então foi assim: cresci totalmente livre dentro de um cárcere escuro e sem vida.
Na verdade nem sei bem quando ou de onde este sentimento de angústia ou medo começou dentro de mim. A impressão que tenho é que sempre as tive. Talvez fosse um espelho da minha vida, do meu dia-a-dia... – longo silêncio, e depois continua – Minha mãe sempre me cobrou muito nos estudos, sabe...? Por isso boa parte da minha vida eu passei na escola, vivia cercado de colegas, e mesmo assim nunca consegui me relacionar com muitos deles. Sempre fui um garoto de poucos amigos. Não que não quisesse, aliás, costumava me apegar muito fácil às pessoas, e quase nunca era correspondido... Então acabava me retraindo, até pra me conservar de mais sofrimento e dor.  
Também nunca fui muito bom em paquerar meninas. Na verdade das poucas vezes que tentei foram experiências tão fracassadas que não voltaria jamais a repeti-las! Não andava com os garotos, eu parecia ser de alguma forma diferente deles. Mas eu só saberia disso tempos depois... – sorri compenetradamente –, não brincava com eles, sempre os achei uns completos idiotas.
─  Mas o que Evan, aquele garoto de quem me falou no começo de nossa conversa, exatamente o quê ele falou a você? – pergunta o psicólogo.
─  Bem, estava quase a chegar neste ponto... Evan é um grande amigo meu e está num relacionamento sério há dois anos. Sabe... Eu sempre havia admirado muito o modo como eles se tratavam. Pareciam feitos um para o outro e sempre fiz questão de elogiá-los grandemente. Certo dia estávamos nós três sentados à mesa e eu lhes relatava como de costume como eles tinham sorte e blá blá blá... Foi quando Evan virou-se para mim e me falou que os sonhos não eram feitos de fantasia e que tão mais distante estariam de mim quanto eu os idealizasse nos outros. “Você precisa ter os seus sonhos”, foram suas últimas palavras. Aquilo pareceu me tocar profundamente, era como se pela primeira vez eu tivesse aberto meus olhos para ver o mundo em que vivia. Pela primeira vez observava o que eu realmente tinha sido: um garoto problemático e cheio de idealizações e fantasias.
─ Foi quando você decidiu procurar minha ajuda... – Indaga o doutor Thredson.
─ Sim, foi exatamente neste período.
─ Isto para nós representa um grande avanço. Pelo fato de você próprio sentir-se necessitado de uma ajuda profissional. Bom, Kevin, nossa sessão está encerrada por hoje, tudo bem? Nos encontramos novamente na sexta-feira!
Thredson acompanha-o até a porta, onde se despedem formalmente com um aperto de mão. Kevin desce as escadas que davam acesso à saída do prédio London Hilton Estava ainda absorto em suas lembranças. Sentia a inquietude por não poder saber o que esperar para o futuro, mas de alguma maneira tinha a certeza de estar fazendo o caminho mais certo.
Do lado de fora o dia estava lindo: sol entre poucas nuvens. Uma brisa leve e fria carregava as folhas caídas sobre a calçada. Era outono e as árvores começavam a perder suas folhas já amareladas. Nas ruas pouco movimento, o que permitiu atravessar a rua tranquilamente. Como a vida parecia mais leve... Como as coisas pareciam se ajeitar, mas não mais como num sonho... Aquilo era o real, era ele mesmo...!


Nenhum comentário:

Postar um comentário