domingo, 21 de outubro de 2012

Resenha crítica do capítulo 1 (“Abrindo a caixa de Skinner”), do livro “Mente e cérebro”, escrito por Lauren Slater.



A escritora, formada em psicologia, tem um estilo muito singular de escrever, o qual não apenas o prende à leitura, em função de sua inquestionável qualidade, mas também, de certa forma, leva-nos a adotar seu ponto de vista, uma vez que recorre, por vezes, a argumentos indutivos – os quais serão referenciados posteriormente   , mas que não os tornam menos importantes por isso.
À primeira mão este dado pode parecer não muito importante, mas torna-se crucial, à medida que nos damos conta que é através do próprio olhar prismático da escritora que aparecerá a figura de B. F. Skinner e que, portanto, será a partir deste mesmo olhar que se farão todas as medidas de apreciação à figura de Skinner.
O capítulo inicia fazendo um rápido levantamento da produção científica de Skinner e apresentando sua mais conhecida ideia: a noção de condicionamento operante, a grosso modo, uma espécie de treinamento o qual geraria um tipo determinado de comportamento. Também aponta para a existência de um “ranço” muito forte com relação a esta teoria comportamentalista, ranço este provavelmente relacionado ao medo que se tinha de que as ideias de uma “engenharia social”, através da prática de reforço e punição, fossem utilizadas por regimes autoritários da época, como o fascismo.
Certamente o temor de que isso factualmente acontecesse levou muita gente (inclusive cientistas) a ignorar e criticar a teoria de Skinner, conforme aponta sabiamente Lauren, criando, inclusive, mitos destrutivos sobre a figura de Skinner e de seus experimentos, da mesma maneira como acontece com qualquer um que, de alguma forma, desagrade os preceitos políticos e morais de sua sociedade. A autora exemplifica este fato trazendo às claras a figura de Deborah Skinner – filha de B. F. Skinner, que foi midiaticamente mostrada como uma vítima hedionda dos experimentos imorais de seu pai e, supostamente até se suicidado, mas que, na verdade, provavelmente sofreu senão por tais opiniões desmedidas.
Ficam muito claros, após a leitura, os objetivos da ciência skinneriana: buscar estabelecer uma ciência demonstrável, que cuidasse de dar relevo à face fisiológica dos mecanismos de  comportamento para, a partir daí, pensar numa aplicação social benéfica e que transpusesse as fronteiras de nossos corpos e de nossas limitações. Obviamente que a referência a estes objetivos é dada a partir das deduções de Lauren, em cima de tudo o observado acerca das publicações de Skinner, e não do próprio, eis porque tais conclusões merecem, não um descrédito, mas um decréscimo do que foi revelado.
Não se pode dizer, no entanto, que a tal “ciência demonstrável” esteja em conformidade com a aquela mesma ciência comportamental proposta por Watson. As próprias concepções filosóficas que guiam as produções de ambos são diversas: Watson nutre sua ciência psicológica comportamental a partir da concepção realista, isto é, de separação entre o mundo interior – inacessível –, e exterior – mensurável –, portanto seu campo de investigação está pautado na busca por determinar os estímulos e suas respectivas respostas; já Skinner segue outro caminho: a linha do pragmatismo, a qual não enxerga economia conceitual em separar o mundo daquele o qual nele vive, não fazendo, pois, distinção entre o que está “dentro” e “fora” de nós.
Skinner, ao adotar o pragmatismo, vislumbra alcançar argumentos não apenas satisfatórios, mas também utilitários - ou seja, que tenham um efeito aplicável, prático. Ciência comportamental pragmática, portanto, se configura como “descrições econômicas e abrangentes da experiência natural humana” (Baum,W., pg. 43). E o behaviorismo radical se centraria fundamentalmente nesta prática conceitual econômica e na preocupação com os termos utilizados.
Obviamente existem muitas objeções ao pensamento científico de Skinner, mas o próprio também, a tantas outras concepções científicas as quais priorizavam o campo subjetivo no estudo do comportamento humano. O presente cientista, tão rigoroso nos seus métodos, criticava bastante os métodos de introspecção, taxando-os enfaticamente de 'mentalistas' e, portanto, sem embasamento científico. Lauren evoca inteligentemente uma possível ligação desta postura adotada por Skinner com a experiência de seu tempo, conturbado pela Primeira Grande Guerra. “Nossa era não está sofrendo de ansiedade, mas das guerras, crimes e outras coisas perigosas”, afirma o próprio Skinner. Levando isso em conta, há de se entender porque o tal procurava firmar uma concepção científica tão pragmática e distante dos questionamentos existenciais.
O que se pretendia era alcançar resultados, soluções. Mas onde encaixar o sentimento, as paixões, a moral, o desejo e a liberdade (só pra citar alguns)?  Não dá para extrapolar tanto o que foi cientificamente colocado, numa tentativa frenética de extrair ideias outras que não foram contempladas por uma teoria, como Lauren faz em certos momentos. Não é inteligente também considerar um cientista tão competente e brilhante de forma a ser capaz de contemplar satisfatoriamente todas as questões possíveis. Cientistas assim não existem! E Skinner, portanto, não é um deles. Não há ódio, nem remorso, apenas fatos. Assim sendo, por que não aceitar o fato de que ele, sim, foi limitado em suas ideias até certo ponto?
Provavelmente é o que o já idoso professor Kagan estivesse querendo falar quando afirmou: “suas descobertas [de Skinner] não conseguem explicar pensamento, linguagem, raciocínio, metáfora ou ideias originais, nem outros fenômenos cognitivos. Nem explicam culpa ou vergonha”. Talvez quisesse dizer simplesmente que a teoria de Skinner é limitada, não dá conta isoladamente destes fenômenos e que o humano envolve uma complexidade tão expressiva a qual não se explica em simples teoremas matemáticos.
Várias outras concepções da psicologia, como a psicanalítica, a fenomenológica e até mesmo a social, somam opinião contra a essa provável simplificação do universo humano - a qual considera nossas ações meramente como reflexo de experiências “on-off”, de reforço ou punição. Não existem apenas dois ou quatro caminhos disponíveis, mas toda uma cadeia inimaginável que constitue o 'ser' humano, gerando uma intrincada teia de complexidade, e que aumenta ainda mais quando interagem entre si, formando o seio social. Há de se precisar compreender os significados que CADA INDIVÍDUO, singularmente, oferece e recebe do mundo. Há de se considerar os aspectos subjetivos, e não tão facilmente enquadrá-los em rótulos como “mentalismos”.
Por que, assim como verificamos a expressão da resposta a um dado estímulo, também notamos a existência não só da ação, mas da vontade, e é a partir dela, da vontade, que somos e atuamos no espaço. Eis aqui um ponto em discordância com o apresentando por Lauren: diferente do que a própria afirma, não é coerente explicar a “insensatez humana” tão somente como fruto de um “comportamento irregularmente recompensado”. O que falta a tudo isso? A autonomia, a qual ao passo que a temos nos é extraída, ou negada. Óbvio que haveremos de concordar, ainda que não unanimemente, que a autonomia referenciada não se concretiza na forma de “livre-arbítrio”, noção esta profundamente atrelada ao equivocado dualismo cartesiano, bem como a certas correntes religiosas. Mas, sim, como potência: de decidir o que, onde e por que fazer. Quem sabe pensar desta forma até não teria extirpado o medo que se tinha contra os regimes fascistas de seu tempo?             
Provavelmente o desvio de um possível “furo epistêmico” em relação ao que foi escrito por Lauren esteja no fato de ela ter trazido mais de perto a face humana de um “cientista-humano”, o qual sempre olhamos tão secamente como se fossem realmente meros códigos expressos numa folha de papel. Eis a salvação de seu belo texto, poeticamente escrito e que traz, sim, luzes, caminhos, para entender a figura ilustre de Burrhus Frederic Skinner ou, conhecidamente, Skinner.

"Abrindo a caixa de Skinner"     >  psikke.com.br/file/download/18092

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