sexta-feira, 5 de julho de 2013

Diário de uma vadia


    Mais um dia ela se contorcia na cama – rolava, esticava-se, e depois... Relaxava. O sol matinal insistia em fazer-lhe abrir os olhos. Eram ainda seis da manhã, mas a rotina começava cedo, teria de se levantar. Levantara-se da cama como se fosse puxada por uma força sobrenatural e caminhara até o banheiro. Olhava-se agora no espelho. Aquele rosto magro, olhos inchados ainda do sono, cabelos bagunçados... Ao passo que escovava os dentes ia ficando mais desperta.
    Sua casa não era bonita, mas tinha o essencial: cama, guarda-roupa, fogão. Não tinha muitos cômodos, na verdade só possuía dois: o banheiro e o quarto, mas a considerar a falta de porta do banheiro poder-se-ia tratar de um vão só. Aliás, não era bem uma casa: morava aos fundos de um comércio, caridosamente cedido por seu dono, o qual cobrava tão somente um preço simbólico pelo aluguel. Por motivos contratuais seu Dedé, como era conhecido pela vizinhança, mantinha uma cópia da chave a qual separava seu comércio do quarto da jovem moça.
    Vitória, a personagem deste drama, era uma moça do interior que veio tentar a sorte na capital. Cheia de esperanças buscava concretizar seus sonhos. Queria abraçar o mundo, queria  conhecer pessoas novas, de todas as coisas a maior é que queria ser feliz, embora não soubesse bem como. A vida no interior não era muito fácil... Lá as garotas são prendadas logo cedo, são preparadas para a vida adulta, onde o sucesso é conquistado por um casamento e a sorte, por encontrar um bom marido, o qual pelo menos ponha a comida sobre a mesa. Vitória sabia de seu futuro ali. Seria como sua mãe: desdentada, as rugas precoces na face a se acentuarem ainda mais com os raios do sol...
    Vitória via aquilo tudo, mas não queria aceitar. Pensava ela que deveria haver um jeito de mudar esta realidade e contornar esta situação. Sempre ouvia sua mãe dizer que viviam assim porque não tinham educação, não se tornaram doutores e tinham de se contentar com o que tinham, pois Deus era bom e haveria de dar saúde para enfrentar as lutas do dia-a-dia e tendo saúde é o que realmente importa... Mas, nada disso entrava na cabeça dela. Não teve muitos estudos e o que conhecia havia tomado conhecimento pela televisão. Deveria ser muito lindo viver como aquelas pessoas da novela das 8... Sonhava em uma vida nem que fosse como a da empregada doméstica da novela, afinal até o pouco que ali era estampado parecia muito para Vitória que, em realidade, tinha muito, muito menos ali.
    Foi pensando nisso que, em um belo dia de céu ensolarado, Vitória decidiu sair de casa. Os brados de seu pai e de sua mãe excomungavam a jovem a jamais pisar ali de novo. E foi assim que a inocente garota veio parar na capital, cheia de sonhos, paixões, mas também de medos e inseguranças, afinal tudo despontava como novo e inusitado. Passou alguns meses pela casa de uma tia evangélica que, também pela caridade, a acolhera em seus aposentos. E ali passara maus bocados: além dos abusos e constantes reclamações que tinha de escutar todos os dias e de todo o esforço que fazia para pagar sua estadia, levantando-se de madrugada para deixar a casa nos trinques, nada recebia em troca se não o prato de comida e ainda era obrigada a frequentar os cultos na congregação do bairro. Não aguentara por muito mais tempo aquela situação e começou a procurar, silenciosamente, emprego pelos comércios da cidade e conheceu o senhor Dedé. A quem muito se empessoou pela jovem e prontamente lhe oferecera um emprego em seu comércio e até um cantinho para morar, caso desejasse. O que ela aceitou urgentemente.
    Passado quase um ano Vitória se questionava sobre seu sucesso ou seu fracasso... O pouco salário que recebia mal dava para comer e vestir-se, afinal as coisas ali custavam muitas vezes mais caro que qualquer coisa comprada no interior onde morava. Precisava ganhar mais. E percebendo isto seu Dedé lhe fizera uma indecente proposta: pagaria todo o seu salário de duzentos e cinquenta reais, sem qualquer trabalho diário, mas com a condição de deixar-lhe tirar certas liberdades com a jovem moça...
    Vitória era ainda virgem e pouco pensava sobre estas coisas no presente momento. Mas como reflexo de uma realidade dura e uma oferta muito atraente para o momento, aceitou a proposta. A primeira vez foi muito preocupante, tremia tanto que parecia estar a morrer de frio e suava tanto que parecia estar no mais infernal calor. Vitória sobrevivera aos toques ardilosos de seu Dedé e fisicamente estava ilesa, mas emocionalmente estava destroçada.
    Apesar de tudo Vitória não desistia, tinha fé em conseguir algo na vida. Sonhava em ter um emprego que bancasse seus sonhos, afinal ainda queria conhecer o mundo – novos lugares, novas pessoas... E foi isso que motivou a jovem a continuar. Pensou de que maneira poderia subir na vida, ganhar dinheiro. Não sabia como... Esteve a pensar inutilmente sobre isso, mas sem sucesso. A grande diversão de Vitória era frequentar à noite a Lan House da esquina. Não pagava tão caro por duas horas de diversão. E virtualmente conseguia afastar-se da dura realidade e também conhecer muitas novas pessoas de diversos lugares, também aprendia muitas coisas novas.
Ia praticamente todos os dias. Batia ponto quase todas as noites. Numa terça-feira qualquer um belo rapaz a adicionou em sua rede de amigos do Facebook. Chamava-se João, tinha 27 anos, sete anos mais velho que ela, era formado em engenharia e trabalhava na Petrobras. Vitória encantou-se com João e aceitou seu pedido de amizade. Papo vai e papo vem, em pouco tempo de conversa a convida para sair. Apesar de muito precoce não poderia deixar esta chance passar batido e acabou aceitando.
    João a pegara em seu carro e juntos foram para a orla de uma praia deserta. Os gestos e olhares de João diziam tudo sobre suas reais intenções. Vitória percebera aquilo, mas em razão das circunstâncias e num misto de medo e desejo, entregou-se às investidas dele. Não demoraram muito, o rapaz era tão rápido no gatilho que em pouco menos de cinco minutos já havia finalizado. Tão rápido que Vitória não teve tempo sequer de perceber direito o que acontecera ali. E foram embora.
    Já descendo do carro João pede que espera alguns segundos e colocando a mão em sua carteira oferece-lhe trezentos reais. “Foi uma ótima transa” – falou. Relutantemente Vitória aceitou. Estava surpresa: em menos de 30 minutos ganhara mais do que esperava todos os meses para receber de seu Dedé. Foi a partir daí que encontrou uma possível solução para seus problemas. Podia vender-se para comprar seus sonhos. E foi isso que fez.
    Não sabemos se a história de Vitória ainda choca pessoas. Provavelmente sim. O fato é que esta é uma realidade de muitas garotas, e também garotos, invisíveis no clarão do sol, e também pela escuridão da noite. Não sabemos se Vitória alcançou os sonhos, torcemos para que sim. Se ela está ou será feliz também não sabemos, mas como ela todos temos esperança de um futuro melhor.

Um comentário:

  1. Vitoria, que metáfora singela. Me lembra uma pela do Plínio Marcos "Navalhas na Carne", embora a sua narrativa não tenha uma link direto com esta a obra, nela todos vivem o verbo sina de Vitoria E você de que forma se prostitui?... São tantas as formas que não a de relação permuta sexual/grana!

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